Teatro e a psicanálise como artes do silêncio e do encontro
- Fernanda Fazzio
- 5 de abr. de 2016
- 3 min de leitura
Atualizado: 20 de out. de 2020
Imagem: Alexandre Krug - fotografia da peça "Entre Esperas"
Teatro e psicanálise se encontram no silêncio. Entre silêncio da vida e o silêncio da morte, a existência se dá entre muitos encontros e desencontros. É no teatro que todas as artes se reúnem, onde a música dá o ritmo da peça, a poesia e literatura criam a dramaturgia, a interpretação dos atores encanta o público e, com toque final, as artes plásticas promovem as cores e formas desde o cenário até as máscaras. Diante de todas essas artes envolvidas no palco, talvez o tempero precioso, aquilo que une e (re)úne todas as artes e encontros, seja nada menos que o silêncio.

Os atores bem sabem da importância da escuta atenta e sensível no momento em que a fala entra em cena, rompe com o silêncio presente e algo verdadeiro acontece. Não basta decorar as falas, ensaiar e entrar na hora certa, os amantes do palco precisam desenvolver a difícil arte do encontro com o outro. Aqui, o público também está convidado a participar do silêncio compartilhado que torna possível a potência do encontro presente.
Shakespeare já disse que o teatro são os espelhos da vida. Na arte do efêmero, quando as cortinas se abrem, o que o espectador vê não deixa de ser um reflexo de si nos tantos personagens. Com descuido, rimos, nos envolvemos e choramos da dor que está no palco, sem saber que estamos falamos das dores que são nossas também.
E na nossa difícil tarefa de nos desprender das armadilhas do passado e viver com menos excesso de futuro, o presente é o que temos de mais precioso, o único lugar onde é possível compartilhar experiências sensíveis com os outros. Nos modificamos a cada encontro, um pouco do outro fica em nós e também um pedacinho nosso gruda no outro alguém. Não saímos os mesmos depois de um encontro potente e o teatro está lá para nos lembrar de que é possível compartilhar essa experiência de SER.
O desafio de repetir a mesma peça sem cair no tédio faz parte da arte de se (re)novar e (re)descobrir sentidos a cada encontro, desvendando as camadas das palavras, das ações e brincando nesse movimento de ser e não-ser o mesmo. Esse (re)inventar-se não faz parte da condição de ser sujeito? Assim também é o encontro na clínica psicanalítica. Um encontro em que, como já disse Sigmund Freud (1856-1939), repetimos, recordamos e elaboramos nossas questões mais íntimas. A caminhada é longa, repleta de descobertas de quem realmente somos, o que de fato queremos e qual sentido de nossas escolhas. Improvisações, humor e brincadeiras não ficam de fora desse caminhar que aproximam o lado cômico e trágico de ser quem se é.
Penso que o teatro e a psicanálise se aproximam com artes do encontro e do silêncio. Na busca por brechas do Inconsciente que se revelam nos não-ditos, nos sintomas, nos atos falhos e, claro, nos sonhos, a experiência de análise acontece, justamente, no sonhar junto. Aqui, encarar o não-saber é fazer psicanálise, se permitindo se re(descobrir) de muitos modos diferentes de ser. Se teatro é a arte do encontro e encontro das artes, a psicanálise é a arte de tornar os sujeitos protagonistas das suas próprias vidas, capaz de escrever o seu roteiro pessoal e escolher o papel que se deseja ter no mundo.
A experiência do encontro entre paciente e analista, no aqui e do agora, atualiza uma relação de amor infantil que só pode ser vivida no presente, possibilitando que algo aconteça e se transforme. Assim, o silêncio, as pausas e o vazio são os ingredientes que tornam não somente a análise, como também o teatro, artes do efêmero e de um dos mais preciosos encontros que podemos ter ao longo de nossa existência.
Bibliografia Consultada:
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