Ensaios psicanalíticos sobre o espetáculo teatral “Pequena ladainha anti – dramática para o episódio da fuga do leão do circo”, dirigido por Chico Carvalho.
Imagem: divulgação do espetáculo
O espetáculo teatral “Pequena ladainha anti – dramática para o episódio da fuga do leão do circo”, apresentado no Club Noir, marca a estréia de Chico Carvalho na direção e dramaturgia.
As atrizes Ana Junqueira, Daniela Theller e Sarah Moreira, atrizes da Cia do Bife, convidam o espectador a se aproximarem de questões urgentes, contemporâneas e tipicamente pós-modernas.
Envolvidos e amarrados no mundo frenético e acelerado, onde nos permitimos ser consumidos e nos alienar, acabamos nos tornando narradores da própria “ladainha existencial”.
“Pequena Ladainha” denuncia o patético em todos nós, especialmente em tempos em que a confusão e a incerteza soltam seus rugidos e baforadas.
A fuga do leão do circo metaforiza também o Tânatos que a todos assola, que está a solta do lado de fora. O espetáculo se incia com um telefonema sobre a “fuga do leão do circo”, já dando corda para uma ladainha, contada com requintes do “chá maluco” de Alice no País das Maravilhas. As semelhanças se aproximam: humor, sanidade duvidosa e discurso absurdo se somam às máscaras clowsnescos e bufonescas. As risadas são garantidas, mas do que rimos de fato?
A teoria psicanalítica fundada por Sigmund Freud (1856-1939) aponta dois funcionamentos principais da nossa energia psíquica. Se, por um lado, tendemos às ligações, relações com o outro e com o mundo; do outro lado de nós, há uma força que nos impulsiona ao desligamento, à morte, ao retorno do estado inorgânico (estado de Nirvana). As pulsões de vida (ligações) e morte (desligamento) são articuladas em nossa vida mental, inundando de cores ou (des)colorindo nossa vida. Ambas necessárias, ambas imprescindíveis.
Uma bexiga amarela explode, um pó branco ocupa os espaços: precisa – se de um susto para não se deixar morrer. A negação nem sempre é um mecanismo de defesa eficaz. Uma pulsão que se faz mortífera é lançada no ar.
Além disso, a repetição imobiliza e a frase “deixa estar para ver como fica” traz promessa de um futuro impotente, sem sujeitos, mas repleto de (a)sujeitados isolados. Entre Eros e Tânatos, qual foi o escolhido da vez?
Assim, com temperos picantes de negação, isolamento e repetição, somos identificados à tartaruga que se esconde no próprio casco. Queremos continuar aprisionados e em-si-mesmados?
A Pulsão de vida, na peça, se dá na própria tentativa de comunicação e expressividade visceral, transbordada nas interpretações das atrizes, na dramaturgia que ferve. Aqui, o teatro se faz potente como dispositivo de aproximação e denúncia. Com ritmo, corpo presente e muito humor, o espectador se liga no encontro ousado, na relação sensível e demasiadamente humana.
O sofrimento está nas extremidades, nos excessos de uma energia em detrimento da outra. A repetição de tragédias cotidianas, catástrofes aterrorizantes e pensamentos vazios, constroem uma ladainha que pode aprisionar e sufocar os sujeitos.
Ao invés de cair nesse ciclo vicioso em que a perda da própria cabeça é um alívio, se aposta, sobretudo, na arte, que nos posiciona perante a escolha de sermos sujeitos da nossa própria história.
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