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Foto do escritorFernanda Fazzio

Cinema, teatro e psicanálise

Atualizado: 20 de out. de 2020

O cinema pode ser visto como o lugar de compressão de tempo, de espaço, de objetos e de pessoas, reais e irreais em um só tempo, em uma só cena. As imagens do filme nutrem as figuras do desejo do espectador, enquanto os sons contribuem para criar uma atmosfera convidando-o a embarcar em outra “realidade”. O espetáculo imagético do cinema retira o indivíduo da realidade pela sedução, no instante em que alimenta as suas fantasias, lugar da ficção e do preenchimento do desejo, mitos e sonho dos homens.

O cinema nasceu muito depois do teatro, em uma época marcada pela valorização da noção de indivíduo. Assim, as sociedades ocidentais, como a nossa, são consumidoras ativas da indústria cinematográfica. O cinema não deixa de ocupar, também, o espaço do lazer, do entretenimento e da diversão. Em comparação com outras artes, o cinema é a que mais requer equipamentos complexos, sendo a dimensão técnica muito presente e necessária.

O prazer do espectador, no cinema ou no teatro, reside, portanto, em assistir à cena e se envolver com o prazer advindo das pulsões que normalmente precisam ser recalcadas, mas que podem ser satisfeitas, já que se trata de uma ficção. Logo, a fantasia envolta nos filmes explicita uma relação entre as características da imagem cinematográfica e determinadas estruturas do aparelho psíquico dos sujeitos. O cinema, desse modo, torna-se um grande “suporte” ou “válvula de escape” para as aflições, angústias e incertezas demasiadamente humanas.

Sigmund Freud (1856-1939) nos mostra em “O Mal-Estar da Civilização” (1930) que a vida, tal como nos coube, é muito difícil, já que traz demasiadas dores, decepções, tarefas insolúveis. Freud aponta que, para suportar a vida tal como ela é, paliativos são mais que necessários: “As gratificações substitutivas, tal como a arte as oferece, são ilusões face à realidade, nem por isso menos eficazes psiquicamente, graças ao papel que tem a fantasia na vida mental (1930).”

O psicanalista J. D. Násio (2007) proporciona uma definição interessante sobre fantasia: “a fantasia é um teatro mental catártico que encena a satisfação do desejo e descarrega a sua tensão”. Sigmund Freud aponta que nos trabalhos artísticos há uma sensibilidade que tenta dar contornos para as fantasias do sujeito. As fantasias existem porque, nós seres humanos, somos inundados por desejos agressivos e sexuais que buscam satisfação imediata (princípio do prazer) ignorando algumas as limitações da realidade.

O espectador aprecia um filme ou uma peça de teatro porque suas satisfações pulsionais estiveram contidas, em certos limites, entre a angústia e a rejeição. Dessa forma, é por meio do simbólico que a ficção do filme se estabelece como tal, construindo uma relação dialética entre as instâncias da realidade e da fantasia. Aí podemos estabelecer também um paralelo com a linguagem onírica, nas palavras de Hanna Segal: “O trabalho psíquico do sonho visa a satisfazer os desejos inaceitáveis e conflitantes disfarçando-os, o que envolve um modo particular de expressão: a linguagem onírica. Esta é construída por mecanismos tais como a condensação e deslocamento, a representação indireta de vários tipos e o simbolismo (1991).”

O cinema, assim, carrega prazer e angústia na sua dimensão estética de arte onírica, que por meio dos mecanismos de condensação e deslocamento de imagens, desvela desejos entre uma cena e outra. Mirian Chnaiderman (1989), no livro “Ensaios de Psicanálise e Semiótica” percebe a escuta psicanalítica como a transformação do discurso do paciente em imagem, ressaltando o caráter poético do fazer psicanalítico. Como os sonhos que são articulados com imagens simbólicas, adentrar no mundo do cinema a partir de reflexões sobre o cinema, arte e literatura é também fazer psicanálise: escutar com o olhar, transformando o discurso em imagem.


 

Bibliografia Consultada

CHNAIDERMAN, M; Ensaios de psicanálise e semiótica; São Paulo: Editora Escuta; 1989.

FREUD, Sigmund (1856-1939). Obras Completas. Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

NASIO, J-D; A Fantasia; Rio Janeiro: Zahar; 2007.

RIVERA,T; Cinema, Imagem e Psicanálise; Rio de Janeiro: Zahar; 2011.

SEGAL, Hanna; Sonho, Fantasia e Arte; Rio de Janeiro: Imago; 1993.

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